segunda-feira, novembro 12, 2007

CHATEAR O CAMÕES



Olhando para todas as expressões idiomáticas que me deixaram (nem fode nem sai de cima, Cão bandido, mato-te (não matando), diz o roto ao nu..., Põe-te n'álheta, Moço marafádo, Máqjête, Onde Judas perdeu as botas, Quanto mais choras menos mijas...) acabei por seleccionar a que me pareceu menos óbvia. Que acham?

Camões foi realmente um génio, alguém com um QI acima da média, um inspirado, uma excepção à Natureza, mas Luís Vaz de Camões, se tivesse vivido nos dias de hoje, ser-lhe-ia diagnosticada qualquer espécie de esquizofrenia ou uma dupla personalidade ou, quiçá, a doença Bipolar, que afectou escritores como Edgar Allan Poe, Lord Byron, Van Gogh e Virgínia Wolf e que está tão na moda. Se não vejamos: o nosso poeta tem uma veia poética extraordinária, aliada a um savoir faire e a uma cultura geral anormal para a época, mas ao mesmo tempo é um devasso, um aventureiro, um mulherengo que se mete com prostitutas ao ponto de contrair uma doença venérea. Acrescentemos os temas dos seus poemas; ele faz a nossa epopeia, mas também escreve poemas de Amor que são os que o melhor descrevem, que verso conhecem que ultrapasse o “Amor é fogo que arde sem se ver”? Os seus poemas revelam alegria, tristeza…
Já estão fartos, não é? Então e a explicação da frase? – pensam vocês.
É simples:
No século XVI, não havia televisão, cinema, discotecas… certo? Como se divertia a corte em noites em que não havia nem tourada nem autos de Gil Vicente? Em saraus! O que se fazia nos saraus, além de se conversar, beber, jogar, dançar…? Uma espécie de jogos florais, não com a importância que vieram a ter um, dois séculos mais tarde, como tão bem o demonstra o filme “C’est ridícule”, mas, mesmo assim, alguns jogos florais. Para quem não sabe o que é, aviso que não são jogos onde se fazem flores, tipo festas de Campo Maior, nem tão pouco botões de rosa, que nesse tempo não havia papel nem higiene, basta pensar que o bouquet das noivas surge para disfarçar o mau cheiro que as mulheres já tinham na Primavera, quando se casavam. Jogos florais são tipo cantar ao desafio, que nos dias de hoje se faz com o Hip Hop ou Rap, mas improvisando poemas. Ora, Camões, nem é preciso repetir, era exímio nessa produção e, não improvisando, porque ainda não estávamos na época do Barroco, declamava poesias da sua autoria como nenhum outro. Aliada a essa veia poético, Luís tinha glamour e batia o coro às mulheres como nenhum outro. É preciso ver que o tempo curto em que passa pela corte de D. João III foi antes de ter perdido o olho em Ceuta, aliás há teorias que o seu primeiro desterro se deveu, precisamente, ao facto de se ter envolvido com a Infanta D. Maria, filha de D. Manuel. Cá está, seria também jeitoso e bom na cama.
Então, quando parte desterrado, deixa na corte saudades femininas, jovens e coroas que suspiravam por ele, criticando os autores das declamações que continuavam tentando animar a nobreza frequentadora da corte. Elas, que nem a maluca do anúncio do Toyota Yaris, a que parte o aviãozinho, após a sua breve ovação, lá iam fazendo as suas críticas “construtivas”, tipo: “a rima do segundo quarteto está um pouco pobre”, “parece-me que falta no penúltimo verso uma sílaba para ser a la maniera”, “uma sextilha nunca deve ter um tema tão profundo como um soneto”… E os coitados, que passavam noites e noites à luz da vela, tentando compor o poema mais arrasador (toma lá uma rima), não estavam para meias medidas e jogavam-lhes à cara: “VAI CHATEAR O CAMÕES!”. Claro que o faziam cientes do seu não regresso. Quem sabe, até, se não terá sido pela sua invejazinha, pela sua certeza que nunca lhe chegariam aos calcanhares que Luís Vaz de Camões não terá, pobre, deambulado por Ceuta, Índia, Macau, Goa… Não voltou à corte, mas a força dos seus poemas deixou saudade e inveja suficiente para que durante muito tempo se criticassem escritores que arremetiam com o ““VAI CHATEAR O CAMÕES!” e da corte para o povo, a expressão foi-se divulgando, tendo, de início dois significados: chatear alguém importante, ou seja, quem a exteriorizava, de forma indirecta, auto-intitulava-se de alguém de mérito e, ao mesmo tempo, servia para mandar o outro, o que era chato, para nenhures, pois Camões era alguém ausente.
Continuem a questionar-me.
Beijos presentes.

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